Pedro Augusto é professor, palestrante e conferencista.
Auxilia diariamente milhares de pessoas em suas redes sociais e possui mais de 5 mil alunos.
Há mais de dez anos dedica-se ao estudo de filosofia, ciências políticas e sociais, psicologia e religião.
1. Atualmente tantas coisas são tomadas como essenciais, mas, no fim, não completam o homem de verdade. O que é essencial ao homem e por quê?
A consciência da imortalidade.
O que diríamos de um leão que ignorasse a savana? Ou de um golfinho que ignorasse o mar? Que tipo de existência levariam leões e golfinhos se fossem incapazes de perceber o ambiente imediato que os sustentam e que lhes permitem viver conforme suas respectivas naturezas? Estariam perdidos, certamente; confusos, acabrunhados, atemorizados, oprimidos, tateando um mundo sempre incompreensível, um mundo que não parece seu.
Pois bem, assim vive um homem inconsciente da própria imortalidade.
Ao contrário, quando o homem percebe que é uma criatura imortal, que a matéria não pode ter se originado de algum fenômeno material, que uma ordem transcendente sustenta o universo criado, que ele próprio é sustentando por essa ordem, que a vida do espírito é a vida verdadeira, que o sentido da sua própria existência está em participar de modo cada vez mais perfeito da transcendência, aí então ele se tornará um homem, aí então ele será livre.
A morte não o atemorizará. As angústias desse mundo não o paralisarão. Nenhuma tirania será forte o suficiente para destruí-lo em definitivo. Ele saberá quem é, saberá como guiar-se, saberá como aproveitar o mundo visível que lhe foi dado para conquistar o mundo invisível que lhe espera, e toda circunstância, por pior que pareça, será vista como mais uma ferramenta de conquista da eternidade. Quem pode parar um indivíduo assim?
Toda a força do homem está na consciência da própria imortalidade.
Por isso, qualquer época materialista será anti-humana por definição. Qualquer cultura que coloque a satisfação do homem unicamente na posse da vida material se tornará uma fábrica de loucos e de tiranos.
Saber-nos almas imortais leva-nos à busca daquilo que realmente importa.
“Uma só coisa é necessária”, diz nosso Senhor à ocupadíssima Marta. Ele é a única coisa que importa. E não dá para viver essa verdade acreditando que a vida termina aqui.
2. É comum, mas não normal, que as pessoas coloquem o coração no lugar errado, enquanto pensam que o coração está em Deus. No Brasil, quais fatores cooperam para isso?
Uma esquizofrênica cultura de admiração aos símbolos exteriores de grandeza e concomitante desprezo da grandeza em si. O brasileiro ama a casca mas detesta o conteúdo. Ama o diploma e os cargos, os louvores, os elogios, os aplausos que ele dá, mas despreza o conhecimento, o estudo, a superioridade intelectual, o amor sincero à verdade. Para nós é mais importante parecer do que ser.
Lima Barreto e Machado de Assis foram mestres em retratar esse lado maligno da cultura nacional. Qual brasileiro não se sentirá familiaridade com as personagens que criticavam a biblioteca do major Quaresma, acusando-o de pedantismo por ter tantos livros sendo que ele “nem era bacharel”? Qual brasileiro não conhecerá – ou será – alguém como o jovem Jacobina, do conto “O espelho”, que curava sua derrota abotoando e desabotoando a farda de alferes? Esse amor pela exterioridade é um prato cheio para os erros morais mais grosseiros.
Enquanto não nos voltarmos à criação de uma cultura de amor à grandeza, de repúdio à superficialidade, passaremos mais alguns séculos com uma religião de festas e feriados, mas sem santidade, com uma vida de muita etiqueta mas sem nenhuma ética, com muitas lágrimas e emoções mas nenhum arrependimento, com muito moralismo e bem pouca moral.
3. Diante de tudo que vem ocorrendo, muitas pessoas vivem com medo e, por vezes, não sabem nomear esses medos. Qual conselho você daria?
Não tenha medo de nomear o mal de que padece. Uma cultura de amor à grandeza começa com uma cultura de amor à verdade. Sem verdade nada de bom pode ser construído. A honestidade é o primeiro passo para a vida do espírito – “as portas do espírito só se abrem à perfeita sinceridade dos propósitos”, dizia meu querido mestre Olavo.
Após a intenção sincera de descrever as coisas tais quais elas são deve-se passar à aquisição dos instrumentos linguísticos para fazê-lo. Muita literatura. Muita poesia.
4. Facilmente se observa que as pessoas desejam a aprovação dos seus pais, parentes e amigos, por isso vivem contando tudo. De onde vem isso?
Há grande diferença entre pedir um conselho e entre se submeter à aprovação alheia. Quem pede um conselho está querendo uma direção para decidir, quem mendiga aprovação está querendo que o outro decida. São dois movimentos distintos.
Quem deseja a aprovação não deseja a responsabilidade da decisão. É uma escravo, portanto.
Se você não consegue viver sem sentir-se completamente aprovado pelos que lhe rodeiam, então você ainda não entrou na vida adulta. Por que? Porque a vida adulta é a vida da responsabilidade. Cada vez que tememos a responsabilidade, que evitamos assumir aquilo que é de nosso dever, tornamo-nos menos adultos, menos livres, menos dignos. E em muitos momentos o cumprimento dos nossos deveres de estado exigirá que trilhemos um caminho pessoal incompreensível e até mesmo contrário aos outros adultos que compõe nosso círculo familiar ou social. Se o indivíduo não estiver disposto a contrariar essas opiniões externas, não estiver disposto a ser menos querido, menos amado, ele não estará apto para cumprir o seu dever ou para sustentar uma verdade que só ele conhece. Isso é a morte da vocação.
Vencer o temor da responsabilidade, o temor de não ser querido, é um passo fundamental para a aquisição da maturidade própria de um adulto saudável.
5. Qual a relação entre a vida interior e o uso do dinheiro? Como uma pessoa pode melhorar essa relação?
O dinheiro é um meio de ação. Isso significa dizer que ele é uma ferramenta de realização no mundo exterior daquilo que trazemos em nosso mundo interior. Ele consegue tornar real do lado de fora os desejos que carregamos do lado de dentro. E aí está o perigo. Quanto do que carregamos conosco merece ser trazido cá pra fora?
Isso significa que a posse do dinheiro exige de quem o possui uma vigília ainda mais severa dos próprios sentimentos. Quanto mais dinheiro alguém possui mais empenhado em ser bom ele deve estar. Caso contrário seu dinheiro só trará desgraças para si e para os outros.
E ser bom, nesse caso, implica sobretudo em nutrir certo desprezo pelo dinheiro que possui e certo temor pelo mal que um amor desenfreado à riqueza poderia lhe causar.