Brincavam as crianças na areia da praia ao serem interrompidas pelo tilintar de um pequeno sino anunciando a chegada do vendedor de picolé, trazia ele o refresco que precisávamos naquela manhã ensolarada. Todos da família aproveitaram para usufruir daquela guloseima, mais do que isso, fomos agraciados pela desenvoltura do vendedor, um homem simples, de uns 50 anos, que logo demonstrou o seu apreço por versos e poesias. Ao efetuarmos a compra ele se disponibilizou a declamar uma poesia, nos permitindo escolher, dentre alguns temas citados por ele, o contexto histórico da cidade que estávamos.
Preparando-se com bastante ênfase, ele pediu para ser filmado e começou a declamar uma poesia de sua própria autoria. Os versos mal começaram a jorrar percebi que pertenciam ao atual imaginário social, expressões e palavras como, “escravidão”, “construído no sangue dos negros”, “senzalas”, “a igreja não permitia a entrada dos negros”, etc. Aquela estrutura de pensamento era facilmente reconhecida e aquele momento me fez refletir em alguns assuntos, porém, pouco sobre o contexto histórico da cidade.
Eles estão em todos os lugares! Isso foi o que me ocorreu ao ser atingido pelos versos do sorveteiro poeta, permita-me explicar melhor. O que veio à minha mente foi a percepção de que o mundo tem sido resumido a alguns poucos temas, expressões, ideologias e símbolos que cativam os corações e já estão muito bem sedimentados no imaginário social. Tais elementos plasmam visões de mundo, modelam condutas e estilos de vida, formam o entendimento a respeito da realidade presente, passada e futura. Através desses temas – presentes em todo material escolar, em todos os jornais, em todos os filmes e até mesmo na mente daquele sorveteiro poeta – toda a história humana é percebida, imaginada e julgada. Onde quer que você olhe verá e ouvirá: “liberdade”, “igualdade”, “justiça social”, “diversidade”, “direitos humanos”, “natureza”, e, como na minha experiência familiar relatada, “escravos”, “racismo”, “excluídos pela igreja”.
Certamente o imaginário social sempre foi superficial e parcial, a diferença hoje é que esse imaginário está sendo conduzido à força. Uma vez que, esse temas não surgiram através de um clamor popular, eles simplesmente são, e continuarão sendo impostos de cima para baixo, aqui como em outros países, através de propaganda maciça, repressão de opiniões adversas, e como disse Olavo de Carvalho, verbas para pesquisa oferecidas a professores e alunos que chegam a conclusões desejadas. Recentemente, a UNESCO lançou seu mais novo relatório para educação conhecido como agenda 2050, Futuros da Educação: Re-imaginando juntos nossos futuros: um novo contrato social para a educação , no qual, raramente você se depara com os termos, aparentemente, frívolos da educação, como, matemática, geografia, português, etc. Entretanto, os temas do atual imaginário social são, para tal relatório, como grãos de areia para o mar. Vejamos alguns trechos:
“…há sinais iniciais de que estamos caminhando para uma nova educação orientada para a ecologia, fundamentada em entendimentos que podem reequilibrar nossas formas de viver na Terra e reconhecer seus limites e seus sistemas interdependentes.”
“Por sua vez, um dos principais papéis da educação é formar cidadãos que promovam os direitos humanos.”
“Reimaginar o futuro juntos é imaginar uma sociedade em que a diversidade e o pluralismo sejam fortalecidos e enriqueçam nossa humanidade comum. “
“A pedagogia da solidariedade deve reconhecer e corrigir as exclusões e os apagamentos sistemáticos impostos pelo racismo, sexismo, colonialismo e pelos regimes autoritários em todo o mundo.”
“A educação precisa responder à mudança climática e à destruição ambiental, preparando os estudantes para se adaptar, mitigar e reverter essa mudança. “
“As escolas devem ser espaços educacionais protegidos, uma vez que apoiam a inclusão, a equidade e o bem-estar individual e coletivo.”
A educação moderna tem se assemelhado ao preenchimento de um balde vazio com conhecimentos superficiais, sendo as escolas seus grandes reservatórios, quando na verdade, deveria ser como o acendimento de uma fogueira. Jhon Taylor Gatto, em Emburrecimento programado, diz que as pessoas escolarizadas têm uma noção precária do tempo que já foi e do tempo que está por vir, assim continua o imaginário social, superficial, precário, parcial e, agora, direcionado.
“Pessoalmente, considero preferível ser refutado, por ser mais vantajoso ver-se alguém livre do maior dos males do que livrar dele a outro”, disse Sócrates entendendo que todos, inclusive ele, precisam ser livrados do maior dos males que, para ele, é ter uma mente aprisionada em um raciocínio errado. Podemos, a qualquer momento, viver essa prisão, sendo o mais comum, entre os erros de raciocínio, o de composição. Nesta falácia, o que acontece é que as propriedades das partes predicam ilicitamente o todo, trazendo para o contexto, alguns poucos fatos – temas da atualidade – determinam a forma como as pessoas enxergam todo o seu contexto cultural e histórico, a forma como entendem o mundo, a forma como julgam as gerações passadas e a sociedade atual. Para mim, as prisões mentais ficam em segundo lugar, pois acredito que o grande cárcere do homem é na alma, como relatado por Jesus em João 8.34.
Em suma, não quero relativizar, nem justificar os fatos reais mencionados pelo sorveteiro poeta, apenas trazer a consciência que a história é muito mais complexa, os fatos são mais profundos, a realidade é difícil de discernir. Não podemos ficar com o dedo em riste apontando os erros, desastres, guerras, e incapacidades das gerações passadas, utilizado tudo isso como mote para revoluções no presente. Devemos aprender com esses erros e nos perguntar: se fosse eu naquela época, naquele momento histórico, com aquele imaginário, faria diferente?