Um dia, sentada no ônibus, tive a leitura do romance Madame Bovary interrompida por uma gritaria. Assustada, procurei saber de onde vinha a barulheira. Quando percebi, era uma baixa e corpulenta mulher que conversava ao telefone. A mulher parecia chateada e falava tão alto, que até quem não queria ouvir era obrigado a fazê-lo. E assim ela dizia:
– Olhe aqui, seu mosso! Eu sou profissora e mereço um salário mior. O senhor acha que a inducação está boa? Não está não. E sabe qual é o probrema? É que eu tenho ensinado àqueles pobres coitados, mesmo com recursos escaços. Fasso de tudo. Ençino a ler, inscrever, contar e pensar criticamente. Tenho trabaiado a anos pela liberdade deçes miseráveis que o sistema oprime sem piedade alguma.
A mulher foi interrompida por um rapaz que estava vendendo balas para sustentar a família. Grosseiramente, ela respondeu que aquilo não era problema dela e rapidamente voltou ao telefone.
– Veja, os pobres não têm quem os ajude e eça dura mição caiu sob meus ombros. Só o cunhecimento pode dá cunciência para que eçe povinho se liberte. Eu intendo que atendeno meu pidido, o senhor estaria lutando contra os intereçes de sua claçe. Contudo, pricizo apelar pro seu lado umano. Seja solidário, ajude a inducação do nosso país seguir adiante. Eças pobres crianças precisar aprender e o senhor não tem o direito de tirar o direito à inducação, que elas têm.
Desligando o telefone, a professora olhou ao redor e percebeu que todos olhavam para ela. Então, uma criança de 7 anos, que lia As Crônicas de Nárnia e também fora atrapalhada, disse:
– Com todo respeito, o problema da educação é que ninguém pode dar aquilo que não tem. Como a senhora quer libertar os outros, se ainda é escrava da própria burrice? E pior, sequer admite seus erros.
Sângela Thaíssa
