A imprevisibilidade e os acasos da vida

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Eu seu livro Mapa do Mundo Pessoal, Julián Marías diz de forma acertada que a vida é futuriza. Não havendo tradução direta para o português, o termo usado pelo autor quer dizer que a vida é sempre apontada ou projetada para o futuro. Isso é muito fácil de ser percebido, vejamos. O que eu quero ser quando crescer? Quais são as minhas metas para o próximo mês ou próximo ano? Quem eu quero me tornar? Por que estou fazendo essa faculdade? Abro ou não a minha empresa? O que eu vou ganhar depois de ler este texto? Todas essas perguntas nos inclinam para frente, para um projeto. Nós sempre estamos fazendo alguma coisa, no presente, em vista de um resultado futuro – ou pelo menos numa vida humana saudável deveria ser assim.

Nós, apesar de estarmos instalados nessa condição futuriza, não temos a posse definitiva e completa desse futuro que pertence somente a mim. Daí que entra em jogo a imaginação. Dou um exemplo. Se eu sou uma criança e quero ser jogador de futebol quando crescer, eu ainda não o sou porque não cresci, então eu imagino e projeto como seria se eu fosse adulto e tivesse realizado esse sonho. Imagino o time, os treinos, a forma de jogar, o sucesso, o salário, o primeiro gol, a Copa do Mundo… Vou criando uma pequeno rascunho do projeto que será a minha vida. Dessa forma, vemos que a imaginação tem um poder absurdo sobre a condução da vida humana – da minha vida – porque ela nos permite justamente antecipar, de forma mais ou menos clara, o meu futuro.

Como ainda não temos posse do futuro não conseguimos calcular os nossos projetos e pretensões de forma precisa. Quem, ao imaginar que será jogador de futebol, conta com a má sorte de ser lesionado gravemente antes de um jogo importante ou que tenha uma das pernas amputadas por alguma enfermidade ou acidente? Ou então, que sairá do banco de reservas e marcará o gol do título ou que será um ídolo do time do coração? Percebam que tudo isso poder ser pensado, mas não nós temos a certeza se e quando acontecerão tais coisas. Uma verdadeira incógnita com a qual nós temos que contar.

Se quisermos mergulhar um pouco mais fundo, basta pensar o quão imprevisível é a nossa vida. Nós não escolhemos nossos pais, onde e quando nascemos, nossa altura, cultura, época ou condição financeira, talentos, etc. e tudo isso faz parte do conteúdo imprevisto das nossas vidas. Se analisarmos o nosso passado, encontraremos inúmeros acasos, com mais ou menos importância, que não foram projetados ou pensados. Eu, por exemplo, nunca imaginei que seria colunista de um site e muito menos que me arriscaria a escrever alguma coisa. Bom, cá estou, e espero – humilde e confusamente – que este acaso contribua de alguma forma para sua vida.

Podemos encarar os imprevistos como coisas que “atrapalham” os nossos projetos vitais. Quase sempre eles não são bem-vindos ou queridos porque nos forçam a reorganizar todas as nossas pretensões. Em certo sentido, é verdade. Mas, na grande maioria das vezes eles incluem novos elementos que precisarão ser encaixados nas nossas vidas e, de forma dramática, digamos, salvam a nossa história.

Convido a você, caro leitor, a lembrar de algum acaso marcante na sua biografia. Seja uma viagem despretensiosa que te trouxe um amor ou uma grande amizade, um filho num momento inesperado que salvou a sua vida ou até mesmo uma doença grave que te fez enxergar Deus. E por que não uma demissão que te levou ao emprego dos sonhos? E não se esqueça que a imprevisibilidade é um fator estrutural da vida humana, ou seja, que não há vida sem os acasos.

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Diác. Leandro Lúcio Manhães
Diác. Leandro Lúcio Manhães
1 ano atrás

Muito bom o artigo!! Nos leva a uma profunda reflexão sobre os imprevistos, que talvez em determinadas circunstâncias podem ser previsíveis e “acasos” da nossa vida, que quem sabe possam ser grandes oportunidades.

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