A filosofia é uma indecência!

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O ser humano a todo momento corre o risco de não ser ele mesmo. Bastam alguns minutos no Instagram e você verá inúmeros influencers ditando como devemos nos comportar, agir ou pensar diante da vida. Isso fica ainda mais claro quando olhamos as preferências políticas da massa. De um lado e de outro, todos precisam seguir um determinado script do que acreditar, defender, brigar e seguir. Uma espécie de manualzinho de vida.

É justamente esse o conceito de homem massa que Ortega nos apresenta em A Rebelião das Massas. O homem-massa é aquele sujeito que segue programas vitais – ou planos de vida – ditado por outros, seja o outro um líder, alguma instituição, ideologia ou partido político. É a pessoa que abre mão da autoria sobre a própria vida e deixa que outros a escrevam e ditem as regras.

O homem-massa nasce de um processo de despersonalização. Se a personalidade é aquilo que nos diferencia uns dos outros biograficamente, a massa é um todo homogêneo. Não há diferença entre as partes que o compõe. Já tiveram a experiência de fazer um bolo? Você mistura trigo, ovo, fermento, açúcar e leite numa batedeira e aquilo vira uma massa pastosa homogênea. Você não diferencia mais onde está cada ingrediente. Com o homem-massa é a mesmíssima coisa. Ele ou qualquer outro da multidão não tem diferença nenhuma.

(Permita-me abrir um parêntese nessa reflexão. Na minha humilde opinião, esse é um dos fins mais trágicos de uma vida humana: você não ser diferenciado dos outros; ser mais um. Faltar com a verdade da própria vida).

No entanto, há um único momento no qual todas as ideias quem embotaram a nossa mente e nos massificam se esvaem: na solidão. As ideologias que defendemos, as camisas que vestimos, as máscaras que usamos, nada disso tem poder de resistência diante da solidão. Sou apenas eu comigo mesmo.

“o homem tem pavor de se encontrar cara a cara com essa terrível realidade [a solidão], e procura ocultá-la com uma cortina fantasmagórica, onde tudo está muito claro. Não se importa que suas ideias não sejam verdadeiras; usa-as como trincheiras para se defender da sua vida, como rompantes para afugentar a realidade” (trecho de A Rebelião das Massas).

Notem que a solidão assombra muitas pessoas ao nosso redor. As pessoas fogem da solidão como o diabo foge da cruz. Isso acontece porque é nesse momento em que nos sentimos inseguros, deslocados da realidade e existencialmente incomodados. Parece que algo não está certo e isso nos atormenta. Então somos levados, inevitavelmente, a pensar e refletir a respeito da própria vida e das próprias misérias.

No livro O homem e os outros, Ortega afirma que é apenas na solidão o homem é a sua verdade mais autêntica. É justamente nessa realidade autêntica que a filosofia está interessada. Nesse sentido, a filosofia é uma indecência porque ela sempre quer as coisas nuas, a máxima verdade, sem qualquer tipo de falsificação, maquiagens ou adornos. A pura nudez daquilo que é real.

Só quando chegamos nesse exato ponto que é possível encontramos a salvação para a nossa própria biografia. Só aqui que conseguiremos iniciar o processo de desmassificação ou, se achar melhor, de restauração da nossa própria personalidade. Aqui decidimos o que iremos deixar que faça parte ou não da nossa história. Por isso, Ortega afirma que a vida é eleição. Cabe-nos a pergunta: o que eu vou eleger para compor a minha história e o que eu deixarei de fora?

Algo precisa ser feito. Essas perguntas remetem ao caráter dramático da vida humana porque esse algo que – necessariamente – precisa ser feito só pode ser feito por mim, e ninguém mais.

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Felipe
Felipe
1 ano atrás

É preciso vislumbrar o eu construído como espelho da própria época; perceber as diversas influencias nas nossas crenças, pensamentos, sentimentos e comportamentos e se remodelar colhendo influências de diversas épocas.

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