Bendita seja a crise!

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Recentemente li Filosofia da Crise, do Mário Ferreira dos Santos.

Muito se ouve falar sobre crise: financeira, política, econômica; ou então as crises conjugais e existenciais; e por que não as crises de ansiedade, dos rins ou da coluna? A crise está por todas as partes.

A palavra deriva do grego crisis e significa separação. Ou seja, em toda crise há um estado de separação. Se existe uma crise financeira, significa que o dinheiro está separado do seu bolso; ou que as coisas da sua empresa estavam indo bem e agora não vão mais. Se é uma crise existencial, significa que há uma separação entre quem você tem sido e quem você gostaria de estar sendo. Se há uma crise dos rins, significa que você está separado de um bom estado de saúde (ou de um generoso copo d’água).

Tudo é crise. Se eu sou eu e não sou você, estamos em crise. Há algo que nos separa. Quando você comete algum pecado está em crise pois se separou de Deus. Quando é santo também, porque se separou do pecado. A crise não é algo necessariamente negativo. Um sujeito santo está separado de tudo aquilo que o distancia de Deus. Está separado do pecado, dos vícios, etc. Essa é a ideia genuína da crise.

Se usarmos esse exemplo da santidade, podemos dizer que um sujeito santo vai fazendo escolhas ao longo da sua vida que acarretarão na sua santidade. Preferisco il Paradiso, exclamava São Filipe Neri. Em toda escolha, portanto, há uma crise e uma preferência.

É inevitável não lembrar do que dizia José Ortega y Gasset: viver é eleger. A todo momento estamos elegendo. Escrevo este texto ou presto atenção no gatinho que está brincando com meu pé? Seguro a minha sede ou vou tomar um copo de água? É sempre assim, conscientes disso ou não. A vida é o resultado das nossas escolhas. A nossa história não é outra coisa senão a história das nossas crises.

Sabe por que é assim? Porque toda crise é uma excelente oportunidade de reconfiguração da própria vida. Não é possível resetar ou voltar à estaca zero, mas é possível ressignificar tudo! É possível dar um novo tom, mudar as coisas de lugar, rearranjar as nossas preferências, atualizar a nossa hierarquia de valores, repensar aquilo que consideramos inegociável.

A crise é um chamado ao movimento. É o sinal de que aquilo que estava unido antes – em oposição a crise – já não está dando certo. É preciso uma readequação. É preciso que algo mude. É maravilho o que os espanhóis falam sobre o gerundismo da vida humana. A vida nunca nos é dada pronta, pelo contrário. É uma tarefa interminável. É preciso estar fazendo algo sempre.

Há ainda um outro aspecto da crise que precisamos tratar. Ela admite graus, e isso tem consequências.

Por exemplo, se minha irmã vê uma aranha caranguejeira na cozinha, ela se desespera, se afasta e me grita. Veja, houve uma separação, um aumento da distância entre ela e a aranha, portanto, crise. Então ela me chama, eu mato a aranha e está resolvida a crise. No entanto existem crises muito mais graves: um divórcio, o falecimento de um filho ou dos pais, uma depressão, uma guerra. Concordamos que uma crise dessa categoria não é tão simples de ser resolvida.

O que eu quero que vocês percebam é que quanto maior for a crise, maior é a possibilidade de ocorrer uma mudança radical em nós mesmos. E digo o óbvio, são nos momentos de maior crise que nós tomamos as decisões mais firmes.

Uma única escolha e tudo pode mudar na nossa vida.

“Bendita seja a crise que te faz crescer, a queda que te faz olhar para o Céu e o problema que te faz buscar Deus” (São Padre Pio de Pietrelcina).

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