Certa feita cheguei a um café de nome fino, pedi um salgado e um cappuccino. Junto com o que eu havia pedido, trouxeram-me dois vasinhos com água. Quando isso ocorreu, estávamos eu e um amigo literato. Ele era alto, possuía cabelo curto e encaracolado, os olhos castanhos, um jeito firme e tranquilo. Ao recebermos o pedido, olhamos um para o outro um tanto perdidos, sem entender para que servia tudo aquilo. Fingindo costume, começamos a bebericar o cappuccino e comer o salgado. A bebida desceu quente, comecei a sentir calor e tomei os dois copos d’água que havia recebido. Uma moça, que estava sentada ao lado, olhando curiosamente para mim, perguntou:
– Desculpe-me, senhor! Mas por que bebeste essas duas águas?
– Ora! Não é o que se faz quando se tem sede? – respondi, sem querer ser grosso.
A mulher, contudo, ficou irritada e disse violentamente:
– Além de burro, ainda é grosseiro. Eu só estava querendo ajudar. Nesse café, é de costume que eles tragam um copo para lavarmos os dedos sujos de gordura e o outro para limpar as papilas gustativas.
Dizendo isso, a mulher girou nas tamancas e foi embora. Eu e meu amigo olhamos um para o outro, um tanto envergonhados, mas também jocosos. Rimos bastante e isso se tornou uma piada entre nós. Entretanto, aquela mulher não saiu da minha cabeça. Um dia, refletindo, comecei a pensar em como é bom ter bons amigos para rir, chorar e compartilhar a nossa vida. Lembrei que aquela mulher era conhecida por viver solitária, triste e sem amigos. Não por escolha sua, mas porque afastara todos com sua chatice e tediosidade. Sempre que as mães queriam por medo em seus filhos, citavam a moça dizendo:
– Se você continuar teimoso assim, vai findar como a dona Lisandra.
A criança podia estar fazendo a diabrura que fosse, parava na hora. Ouso dizer que ninguém conhecia o mistério daquela mulher. O que se observava é que ela lia bastante, era muito bonita e vivia praguejando. Aqueles que tiveram o “privilégio” de ter estado perto dela diziam que ela vivia murmurando baixinho:
– Pena que eu não tenho dinheiro para sair daqui. Gostaria muito de me livrar desse fim de mundo. Como eu queria não ter que ver essa gente. Só não faço como o Édipo, porque nem coragem para isso eu tenho.
Então, depois de refletir acerca dessas questões, contei ao meu amigo Álvares (o literato) que nunca tinha visto personagem tão misteriosa como aquela mulher. Ele concordou comigo e passamos a observá-la um pouco mais. O Álvares, mais tarde, contou-me estar compondo algo, mas nunca chegou a me mostrar depois que…
Bem, esta talvez seja uma outra história. Deve ficar para uma próxima ocasião. Digo isso, pondo um sinal gráfico chamado ponto final, bebericando uma xícara de café e olhando para a água que arrancou de mim essas estranhas memórias.