Sobre Saúde Mental – Bruno Lamoglia

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Bruno Lamoglia, médico, pós graduado em psiquiatria, psicoterapeuta e professor.

1. O Brasil é um dos países mais ansiosos e depressivos do mundo. Por que chegamos a esse resultado?

A primeira resposta se inicia no fato de que nas últimas décadas a psiquiatria ganhou espaço no mundo da saúde elaborando critérios diagnósticos mais claros.

O número de psiquiatras e serviços de saúde mental aumentaram e consequentemente teremos maior número de diagnósticos que outrora eram ignorados.

É importante ressaltar que em países subdesenvolvidos o número de diagnósticos e tratamentos são muito mais discretos e de difícil acesso às estatísticas. O Brasil se encontra em uma posição mista: há profissionais e serviços capacitados para dar o diagnóstico, no entanto, segue uma população carente de orientação e profilaxia dos transtornos mentais.

Também podemos apontar para um fenômeno mundial mostrando que os transtornos psiquiátricos são, em número expressivo, decorrentes de alterações de estilo de vida, adaptações ambientais e de comportamento socioantropológicos. Isso quer dizer que o homem não vem se comportando como um homem deveria ser na alimentação, nos hábitos ou até mesmo no novo habitat: as megalópoles.

Ao longo da história humana, nós, humanos, sempre tivemos diretrizes talhadas por milênios, respeitando as esferas físicas psíquicas e espirituais.
Isso acontecia através de ritos, da liturgia às tradições e cultos. O sistema vigente tende a uma paralisação física, sem luz natural, sem contato com meio externo, entretido por aparelhos desenhados para intensificar nosso centro de recompensas – tornando-nos apáticos ao mundo e apreensivos diante à vida e suas instabilidades.

Outro tópico relevante seria desmoralização progressiva por possuir papel significativo na desestruturação do homem. A moral existe por um motivo e sua perda acarreta em transtornos mentais, materialismo, animalização, guerras e barbárie.

2. Principalmente entre os jovens, observa-se uma profunda desesperança diante da vida e do futuro. Isso é normal da idade, como as pessoas costumam dizer?

Importante ressaltar que o conceito de jovem mudou; o que era “jovem” há cerca de 50 anos, atualmente, não possui o mesmo conceito. O jovem de antigamente era até 14 anos de idade; hoje temos “jovens” de 40 anos. Na pré-adolescência, parte da inocência, da imaturidade e da infantilidade deveria dar espaço ao decorrer natural da vida que seria uma fase madura e, portanto, contendo responsabilidades.

Atualmente ouvimos o termo “responsabilidade” como algo pejorativo. Ninguém parece a desejar.

Desconhecemos o prazer de podermos ser úteis e nos sentir importantes, valiosos na sociedade. O jovem atual não se encaixa em nenhuma das duas esferas; ele sabe que não pode continuar sendo criança mas não há qualquer estímulo para se tornar adulto.

Mais uma vez o sistema não vem orientando o jovem de modo que ele possua uma boa formação pessoal com um caminho e com sentido.

Há também a explicação de que o jovem é mais suscetível a qualquer tipo de influência mediática sendo a mais perigosa dentre elas as redes sociais que fomentam a hiper sexualização tais como os exageros das imagens e de estímulos dopaminérgicos tornando-os imunes aos estímulos contidos no cotidiano e causando um tédio avassalador. Somando este tédio e a comparação excessiva, vaidade, egocentrismo, tendência à atividades de prostituir-se, temos uma bomba relógio na sociedade.

3. Diversas pessoas vivem para o seu trabalho. Ao procurarem algo para estudar, logo perguntam se isso “dá dinheiro”. Quais as consequências disso?

Platão dizia que em uma sociedade equilibrada cada indivíduo teria um talento ou habilidade específica mais desenvolvida e com isso a pessoa exerceria seu ofício de forma prazerosa, mais tranquila, espontânea e sem grandes gastos energéticos vencendo barreiras. Desse modo, seu trabalho ficaria mais eficiente, mais barato e haveria benefício coletivo.
O indivíduo que escolhe sua profissão por ganhos financeiros estará sujeito a um longo caminho de frustração, e ainda pior, correria o risco de ficar estagnado tanto na sua formação intelectual quanto espiritual (moral e /ou religiosamente falando).

Reconheço a dificuldade financeira que o brasileiro sofre. No entanto há de lembrar que a dificuldade amplia a credibilidade e as honrarias das conquistas já realizadas.
Tendo isso em mente é possível remover o assunto econômico do primeiro lugar da hierarquia de importância. E de modo contrário existe forte risco do indivíduo se corromper moralmente. Este seria um caminho da própria desgraça social

4. As ideologias têm o poder de arruinar a vida de uma pessoa? Em caso afirmativo, por quê?

Sem dúvida que sim. A ideologia, por mais elaborada que ela seja, é apenas um fragmento de uma visão de algo muito maior e mais complexo do que ela possivelmente poderia abarcar.
É importante ter isso em mente, porque teremos inclinação a uma ou a outra, já que isso nos ajuda a compreender o mundo e nossa posição nele. Conhecemos o termo “ideologia” como ideias radicais agrupadas em um amarrado, tais como marxismo, nazismo, etc. Mas ela pode ser apenas um modo de pensar, um conjunto de ideias organizadas, com o máximo de coerência possível.
Um bom grau de distanciamento é necessário pelo fato de que a trama social envolve tantas variáveis (acidentes geográficos, tragédias, emoções de um povo, fatos históricos, mentiras, diferentes pontos de vista, etc) que seria impossível que qualquer ideologia pudesse elencar de forma sabia todos esses elementos.
A criação de uma ideologia, até certo ponto a adoção desta mesma, aponta para um egoísmo e até mesmo narcisismo (senso de autoimportância inflada) para os criadores, que frequentemente leva para o fanatismo ou uma potente crença irrevogável e imutável, mesmo perante à verdade.
A ideologia parte de elementos periféricos em uma busca cega até o centro da questão, passando por cima de questões que necessitariam ser ignoradas para fechar esta nefasta equação.
Em última instância, a ideologia afasta da verdade.
Por conta destes pontos percebe-se que uma sociedade precisa evoluir de forma gradativa com longos e penosos testes respeitando as múltiplas variáveis e não de forma revolucionária, intempestiva e arrogante. você poderia, no entanto, adotar uma posição ideológica representando uma anti ideologia pelo fato desta última já ter sido testada causando danos irreparáveis.

5. Observa-se que parte da população é guiada pelo medo. Medo de não dar conta do trabalho, medo de casar/não casar, entre diversos outros. Qual seria a raiz desse medo excessivo e como é possível combatê -lo?

Há que lembrar que o medo é uma emoção e tem o seu papel na nossa psique. O medo nos previne de sofrer. Porém existem estados do medo em que ele mesmo traz o sofrimento. Ele pode paralisar o seus movimentos, ele pode lhe empurrar para frente de forma impulsiva. Ele pode aconselhar de forma sábia auxiliando na virtude da prudência.
Em uma civilização imatura o medo permanece como se permanece em uma criança.
É fácil observar como a criança é tomada pelo medo frequentemente. O motivo é evidente: a criança é frágil e vulnerável.
É necessário seguir um longo caminho para se tornar uma pessoa segura no mundo. Esse caminho vem sendo uma trilha menos e menos percorrida.
Um dos grandes encontros neste caminho que é também um elemento central do medo é o assunto da morte.
Repare que vivemos em uma sociedade que hesita em abordar este tema a todo custo; mesmo sendo esta a única certeza desta vida.

Dentre os exemplos mencionados tais como o casamento e profissão são problemas inerentes a um fenômeno contemporâneo que inicialmente parece uma grande vantagem mas que se demonstra uma questão a ser resolvida: o excesso de opções presentes gera o “paradoxo das escolhas” – quanto maior o número de opções, mais angústia aquele indivíduo sentirá. Este fenômeno é característico de tempos de bonança de criações de novos trabalhos e múltiplas opções a tal ponto que existam angústia e uma paralisação diante das escolhas.

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